Harry Corrêa, 33, nunca quis ser pai. Em 20 minutos, essa questão foi resolvida por um urologista, um bisturi e uma anestesia local. Antes mesmo de completar 30 anos, o publicitário sem filhos passou por uma vasectomia. Hoje, diz que mais amigos têm feito o mesmo ou estão interessados em evitar uma paternidade.
O Ministério da Saúde calcula um aumento de 40% nas cirurgias de vasectomia no Brasil em dois anos, passando de cerca de 67 mil em 2022 para 95 mil em 2024.
O crescimento é parte das mudanças na legislação de planejamento familiar. Hoje, qualquer pessoa com 21 anos de idade (independentemente do número de filhos) ou que tenha pelo menos dois filhos pode fazer o procedimento.
Os dados não fazem distinção entre homens com ou sem filhos, mas médicos ouvidos pela Folha de S.Paulo afirmam ter notado um aumento na busca voluntária pela cirurgia.
O motivo nem sempre é evitar mais filhos ou ter o primeiro.
Para Harry, a contracepção é facilmente resolvida com o uso de preservativo, e ele diz que continua a utilizá-lo mesmo após a vasectomia para evitar ISTs (infecções sexualmente transmissíveis).
Os motivos são individuais: ele afirma que nunca quis interferir no destino de um novo ser humano sendo o pai. Outras razões refletem as angústias de uma geração.
“É uma questão financeira e de responsabilidade: não temos dinheiro nem para uma casa própria, e a gente quer oferecer o melhor aos outros”, diz.
Quando está em um relacionamento, alerta de antemão não ter pretensões de ampliar a família. Para ele, o planejamento familiar é uma das responsabilidades negligenciadas por muitos homens.
“Vários homens engravidam mulheres, largam os filhos e não estão nem aí. Se o homem engravidasse, o aborto seria legal. Mas eles podem fazer a vasectomia e evitar essas consequências.”
Segundo a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, todas as 479 UBSs (Unidades Básicas de Saúde) do município contam com encaminhamento para laqueadura ou vasectomia.
Na capital paulista, entre os cinco métodos anticoncepcionais realizados, a vasectomia apareceu na quarta posição em 2024, com 7.710 procedimentos, à frente do DIU hormonal, com 2.731 no mesmo período.
UMA CIRURGIA SIMPLES
A vasectomia é um procedimento considerado simples por urologistas. Com pequenos furos, o fluxo do ducto deferente é cortado, amarrado e interrompido.
A região é a responsável por conduzir os espermatozoides do testículo até a próstata para ser misturado ao líquido seminal, expelido pela uretra na ejaculação. Com o bloqueio no meio da trajetória, o sêmen torna-se infértil.
A ejaculação, ereção e produção hormonal de testosterona continuam as mesmas após a vasectomia e não há alterações na aparência física do pênis e dos testículos.
O organismo também mantém a produção de espermatozoides, com a diferença que eles irão nascer, se reproduzir e morrer dentro do próprio corpo.
“É como se eles vivessem em cativeiro”, resume Eduardo Miranda, coordenador de medicina sexual do departamento de andrologia da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia).
Por isso, o especialista afirma que a vasectomia pode ser revertida. O ducto é reconectado pelo mesmo método e o sêmen voltar a conter espermatozoides.
Segundo ele, o paciente também pode decidir pelo congelamento dos espermatozoides in vitro ou fazer uma pulsão, caso mude de ideia e decida ter filhos.
“A vasectomia sempre foi popular, mas sentimos uma procura de jovens que não querem ter filhos por questões próprias, filosóficas, e por poder reverter”, diz o médico. “Tem gente que não quer estar mais nos planos daquela constituição tradicional de família, o que acompanha uma tendência mundial de queda de natalidade.”
VASECTOMIA NO TRIBUNAL
Apesar de simples no centro cirúrgico, a vasectomia é mais complexa nos tribunais. Na última quarta (12), o STF (Supremo Tribunal Federal) retomou o julgamento para alterar a idade mínima para a esterilização para 18 anos, seja vasectomia ou laqueadura.
O debate envolve direitos individuais, maioridade civil, questões demográficas, como aumento e diminuição da população brasileira, de gênero, e tenta resolver um problema de interpretação.
A lei de setembro de 2022 permite a esterilização voluntária após dois filhos vivos ou ter idade mínima de 21 anos. O texto também prevê aconselhamento de equipes de saúde para debater a decisão.
A nova legislação derrubou a autorização de um cônjuge, então vigente desde 1996, atendendo a uma luta de mulheres impedidas por maridos de acessar uma laqueadura.
Por outro lado, médicos ainda entendiam que era preciso cumprir a todos os requisitos e não apenas um deles.
O julgamento no STF discute reduzir a idade mínima de 21 para 18 anos e defini-la como única exigência para a esterilização na rede pública e privada e, assim, eliminar brechas.
A ação proposta pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) defende ao plenário que a lei de 2022 continua a “afrontar direitos fundamentais” de autonomia, privacidade e liberdade para planejar a própria vida social e reprodutiva, de acordo com a Constituição.
A análise foi suspensa na quinta (13) por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Ainda não há uma data definida para um novo julgamento da pauta.
Entre os ministros, permaneceu a discussão sobre a possibilidade da esterilização não ser revertida. Para André Berger, urologista da Rede Dor, a reversão da vasectomia é possível, mas médico e paciente devem encará-la como uma decisão definitiva.
Logo após a cirurgia, ele recomenda repouso e evitar atividade sexual por cerca de uma semana. Após dois ou três meses, um espermograma deve ser feito para confirmar que o sêmen já está livre de espermatozoides. O exame também pode ser feito após 15 ou 20 ejaculações.
Já a reversão do processo pode ser feita após esse período, mas há restrições. “A taxa de sucesso da reversibilidade depende da técnica utilizada e principalmente do tempo decorrido da vasectomia quanto maior o tempo, menor a chance de sucesso”, explica. Ele diz que a reversão é segura, mas com os riscos inerentes de qualquer cirurgia, como dores, sangramentos, inchaços e falha para reverter a decisão.
O farmacêutico Gabriel Padilha, 34, descarta voltar atrás. Preocupado com a saúde, manteve o uso do preservativo contra infecções sexuais. Para evitar filhos, ele passou por uma vasectomia há cerca de dois anos e pretende nunca mais religar seus ductos.
De início, diz ter ouvido apelidos poucos lisonjeiros dos amigos, como “bala de festim”. Com o tempo, diz ter convencido três deles a aderirem à decisão. “O mundo está acabando politicamente e ambientalmente. É uma responsabilidade grande e muito cara ter um filho. Colocar uma pessoa nesse mundo seria muito egoísta da minha parte”, diz.